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Gritos e Sussurros, de Ingmar Bergman



Gritos e Sussurros  de esquema cromático repleto de significados –  um drama intimista quanto uma sensação de terror despertada pela manipulação sádica do primeiro plano. Gritos e Sussurros, mesmo que imune a qualquer definição simplista, é em grande medida o filme de terror de Bergman. Há, de um lado, uma estratégia de desconforto atingindo seu ápice, e, do outro, um controle soturno das composições e uma dramaticidade da cor que são dignas de Mario Bava. Nos seus melhores momentos, a mise en scène de Bergman nesse filme parece deter um segredo que ele se esforça em manter guardado, como um mágico que não revela seus truques, ou como a sabedoria inviolável dos antigos alquimistas. 


Tamanha prestidigitação depende da cegueira parcial da platéia, que não enxerga senão um jogo de aparências, e todo o espaço do filme – espaço sonoro e espaço-fora-da-tela mais do que incluídos – se vê assombrado por fantasmas que cobram sua parcela na ficção. A própria câmera age como um fantasma inquisidor, que espreme as personagens contra a parede até que elas devolvam ao filme uma expressão desejada (medo, vergonha, ódio, desespero).

Bergman é sem dúvida um dos grandes estetas do close-up cinematográfico, e aqui seu teatro de fisionomias adquire uma carga extra de significação: Gritos e Sussurros é uma anatomia de rostos femininos, estudados tanto em sua materialidade quanto em seus investimentos subjetivos. E esses rostos, ao menos para Bergman, são “contos de terror”, daí seu teatro de fisionomias se desdobrar numa performance da crueldade, encenada com marionetes que sofrem de um desespero magoado e, muitas vezes, contido (quando apenas sussurrado). A cena em que Maria (Liv Ullmann) tem seu rosto analisado diante do espelho (identificado à câmera, para a qual ela olha) por seu amante (o médico interpretado por Erland Josephson) é de uma agressividade e um sadismo incríveis: ele associa cada vinco e cada ruga de Maria ou a um defeito dela ou a um percalço vivido. 

As lágrimas, que estão em tanta quantidade no filme, são parte na verdade de um sistema complexo que depende de “uma elaboração feminina do rosto” (cf. Pascal Bonitzer, “O sistema das emoções”, em Le Champ Aveugle) para confrontar ao espectador uma emoção que não o atinge por processos identificatórios, mas antes assume uma incômoda exterioridade. Assistir a Gritos e Sussurros é acima de tudo encarar rostos que respiram contra o nosso. O som do filme destaca cada soluço, cada detalhe da respiração, cada engolir em seco, cada ofegada das personagens, pois elas precisam existir em todas as nuances.



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