Pular para o conteúdo principal

Dicas para quem pretende escrever um livro por João Scortecci


Uma pergunta inevitável que um dia acaba acontecendo na vida de um escritor de sucesso, de um professor de literatura, de um crítico literário e na carreira de um editor de livros: Qual o segredo para escrever um bom livro?

Antes de pontuar dicas "pertinentes" obrigo-me a registrar o que me parece essencial e fundamental na vida de um autor: criatividade, talento e persistência. Sem sinergia e fusão destes três elementos não vejo qualquer possibilidade de sucesso e êxito.

Lygia Fagundes Telles quando nos fala sobre a arte de escrever inspira: “Rasgar, rasgar e rasgar. Eu rasguei muito.” Hoje, com o advento da ferramenta computador poderíamos dizer que o exercício de “Deletar, deletar e deletar...” explica com ciência e razão, aquilo que a dama da literatura brasileira nos ensina como segredo.

Vamos às dicas:

Ser um leitor. Um bom leitor. Um leitor voraz e criterioso. Se o objetivo é um romance concentre-se no gênero. Literatura brasileira e estrangeira, de autores conhecidos ou não. Faça buscas em sebos e bibliotecas, e você encontrará escritores que o aguardam. O livro chama! No exercício desta leitura observe com atenção o primeiro parágrafo, como cada escritor começa a sua aventura, o trejeito com que ele trabalha os primeiros diálogos, pontua um fato relevante, sustenta sua verdade e traça o fio condutor de sua história.

A entrada em cena de cada personagem – principal ou coadjuvante – precisa receber do autor sua carga inicial de energia. Quando o autor não o faz corretamente corre o risco de perder de cara o leitor. O encantamento tem que ser de imediato. Quando o personagem mostra a sua alma o leitor o adota com amor, ódio e respeito. Ele puxa e pede, de direito, o seu espaço na história. É comum em uma boa trama um personagem secundário ganhar fôlego e espaço, além do tempo planejado no roteiro inicial.

Ter uma boa história é fundamental. Concisa, objetiva, clara e única. Conversando um dia com Fernando Sabino - gravávamos um programa na TV Bandeirante - ele me disse: "Scortecci uma boa história é aquela que pode ser contada". Precisa ter começo, meio e fim. Simplicidade e harmonia no fio condutor evitando a todo custo ansiedade de concluir antes da hora. O inverso – exagero de se estender além da conta – também não é recomendado. Saber parar na hora certa é uma arte. Poucos conseguem “criar” o número exato de palavras. O ponto final deve ser "cometido" com sabedoria cirúrgica. Não existe um sino que toca ou um alarme que pisca.

Fazer um roteiro. Inicialmente simples e pontual. Em tópicos. Deixe os detalhes para depois quando um segundo roteiro – mais complexo – se fizer necessário. A escolha do número de personagens (não exagere) e seus respectivos nomes é tarefa delicada e que precisa ser feita com critérios. Alguns nomes têm mais força do que outros e ocupam na história “heranças” que podem influenciar no enredo. Evite nomes de modismo e fora de época. Faça uma pesquisa. Hoje a Internet é uma ferramenta poderosa de consulta e pode salvá-lo de muitas armadilhas.

Por falar em Internet, não nego a minha paixão por ela, mas recomendo cautela e desconfiança com tudo que ela diz e tenta nos ensinar. Todas as informações precisam ser checadas, pesquisadas e conferidas várias vezes. Datas, lugares e costumes são "sinais" que devem ser observados na hora de uma leitura crítica. O estrangeirismo é um perigo e costuma fazer estragos mortais.

Concluído o roteiro, monte o que chamamos de Rede de intrigas: amor, ódio, morte, casamento, assassinato, inveja, infidelidade, poder, ganância, ambição, gula, raiva, medo são ingredientes apetitosos que devem ser considerados na elaboração desta rede. Prender a atenção do leitor e mantê-lo ligado na sua história é missão - quase - impossível e o desafio maior. O leitor às vezes se torna preguiçoso e sua atenção voa para longe...Um leitor perdido não volta inteiro. Quando isso acontece não há nada mais o que fazer.

Evite chavões e plágio. Você até pode “babar” de leve uma passagem ou uma frase de efeito. A tentação acontece, e mente quem diz que não. Alguns parágrafos são perfeitos e a inveja literária costuma tirar o sono de muitos. Alguns títulos são eternos e maravilhosos. Valem o livro. Quem não gostaria de escrever: Cem Anos de Solidão; A Insustentável Leveza do Ser, Vidas Secas, Capitães da Areia, A Menina que Roubava Livros, Ciranda de Pedras etc.

Faça a opção por capítulos. Escolher ou não um título para o capítulo não é tão importante. O que pesa positivamente é a pausa. Trabalhar por capítulos é uma mão-na-roda. Havendo um desequilíbrio no texto – isso é comum acontecer – o leitor acaba não percebendo a falha. É no final de cada capítulo que o leitor toma a decisão de avançar - dando-lhe mais crédito - ou de desistir fatalmente.

Uma vez, jurado de um concurso literário no Paraná, fui surpreendido com uma interessante nota de rodapé que dizia: “Vai melhorar”. A máxima se repetia a cada página virada e lida. Incrível foi o rumo que dei à minha curiosidade ao extremo. O livro não era bom. O “infeliz” foi capaz de me imobilizar com uma boa chave de braço tirada de sua caixinha de intrigas. Será que vai mesmo melhorar? Li o livro de cabo a rabo.

O que faltou naquela obra? Faltou bagagem, conteúdo e experiência. Mesmo com criatividade, talento e domínio das palavras o romance não seduzia, não dava liga, não pegava! Um livro precisa abduzir leitores.

Depois de pronto é importante saber que o livro não está pronto. Ler e reler exaustivamente ajuda a criar – muita - repulsa pela obra. Isso é bom. Conheço autores que chegam ao ponto de quase suicídio. É hora então de procurar ajuda profissional. Independentemente de uma autopublicação ou edição comercial, através de uma editora tradicional, uma obra precisa de revisões e leitura crítica. Tudo isso antes de seguir o seu caminho natural de diagramação, edição, impressão, veiculação e comercialização.

A leitura da obra por um leitor crítico (o mercado possui uma boa carteira deles) costuma apontar aquilo que passou despercebido pelo autor. É espantoso descobrir erros do óbvio. “Nossa! Não posso acreditar que isso passou por mim...” É comum escutar depoimentos desse tipo, mesmo de escritores de renome, com dezenas de livros publicados.

O Professor Ézio Grassi Peluso dizia sempre: "Nós escritores precisamos aprender a conviver com o erro".

Escolhendo um título. Um parto para muitos. Para os que não encontram de saída um título “incrível”, costuma bater desespero. O medo de um editor desavisado batizá-lo com um título “ridículo e pobre”, tira o sono de muitos.  Recomendo escolher - quando possível - também um subtítulo para a obra.  Não existe um título perfeito e sim o melhor título possível (mercadologicamente falando) entre dois ou três previamente escolhidos. 

Uma vez fiz uma consulta nos arquivos da Fundação Biblioteca Nacional sobre a escolha preferida para títulos de livros de autores brasileiros. Na época o campeão era “Pedaços de Mim” e em segundo lugar “Lembranças”.  Que falta de imaginação. Eram livros de poesia, mesmo assim escolhas pífias.

Última dica. Terrível, mas oportuna: desistir não é nenhum pecado mortal. Muitos o fazem por infinitas razões, motivos e desculpas. Basta faltar na "receita" um dos três elementos essenciais (criatividade, talento e persistência)  que a gororoba desanda.

Alguns falam em falta de tempo, motivação e vergonha. Existe isso? Creio que não.

Gosto da ideia de que o melhor livro ainda não foi escrito. Isso por si justifica o sonho de muitos do desejo maior de escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore.

João Scorteccijrspscortecci@scortecci.com.br

http://www.amigosdolivro.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=6585

Comentários